Congresso derruba decreto do IOF, cria rombo bilionário e força governo a novos cortes

6/26/25

/ Por Redação

 

Lula
Na quarta-feira (25), o Congresso Nacional revogou o decreto presidencial que alterava as regras de cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), abrindo espaço para novos bloqueios e contenções no orçamento federal de 2025. Especialistas ouvidos pelo g1 avaliam que a decisão terá impacto direto na arrecadação e na gestão fiscal do governo.

A estimativa oficial do Ministério da Fazenda aponta que a derrubada da medida pode provocar uma perda de aproximadamente R$ 10 bilhões ainda este ano. Já o economista Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda de São Paulo e atualmente na Warren Investimentos, projeta um rombo ainda maior: ao menos R$ 15 bilhões.

Salto relembra que o Executivo já havia promovido, em maio, um contingenciamento significativo — de R$ 31,3 bilhões — o maior dos últimos cinco anos, atingindo despesas discricionárias, como investimentos e custeio da máquina pública. Segundo ele, será necessário ampliar ainda mais os bloqueios para tentar manter as metas estabelecidas.

O decreto do IOF era considerado uma peça-chave pela equipe econômica para tentar equilibrar as contas públicas e cumprir o objetivo fiscal de 2024. Desde sua proposição, porém, o texto enfrentou forte oposição no Legislativo, que criticava o aumento da carga tributária.

Para Salto, a situação se torna ainda mais delicada em 2026. “Mesmo com o IOF em vigor, já há necessidade de ajustes. Sem ele, a mudança na meta fiscal seria inevitável”, afirmou.

A possível revisão da meta, que prevê déficit zero este ano — com tolerância de até 0,25% do PIB, cerca de R$ 31 bilhões — preocupa o mercado. Isso porque alterações no plano fiscal são geralmente vistas como sinais de fragilidade no compromisso do governo com o equilíbrio das contas, o que pode resultar na fuga de investimentos, elevação de juros e valorização do dólar.

Especialistas veem risco de colapso fiscal sem reformas estruturais

O economista André Galhardo, da Análise Econômica, compartilha da preocupação. Para ele, a reversão do decreto dificulta ainda mais o cumprimento da meta de déficit zero — ou seja, fazer com que as receitas se igualem às despesas, desconsiderando os juros da dívida pública. Com o resultado fiscal de 2024 apresentando um déficit de R$ 43 bilhões, qualquer margem de manobra é vista como estratégica.

Galhardo aponta que os contingenciamentos ainda são o único caminho viável no curto prazo para tentar atingir esse resultado. No entanto, alerta que o Brasil precisa ir além de medidas emergenciais: “Faltam reformas estruturais que garantam sustentabilidade fiscal a médio e longo prazo.”

Entre as propostas defendidas por analistas para enfrentar o desequilíbrio das contas estão o fim dos reajustes reais no salário mínimo e nos salários do funcionalismo, mudanças nas regras de gastos mínimos em Saúde e Educação, cortes nas emendas parlamentares, além de alterações no Fundeb e na Previdência.

Segundo Galhardo, a ausência de ações estruturantes aumenta a pressão sobre a dívida pública, que já representa 76,2% do PIB — o equivalente a R$ 9,2 trilhões. Projeções do mercado indicam que esse percentual pode alcançar 93,5% até 2034.

Medidas pontuais não convencem mercado

Para Marcos Moreira, sócio da WMS Capital, a revogação do decreto do IOF não representa, por si só, um agravamento expressivo no risco fiscal. Ele considera a proposta do governo como uma tentativa de curto prazo para cobrir lacunas orçamentárias, sem eficácia real na solução dos desequilíbrios. “O mercado não tem respondido com intensidade a medidas pontuais. O problema fiscal exige ações de longo alcance”, afirmou.

Já Felipe Salto é mais contundente. Ele avalia que mesmo somando o decreto do IOF e os cortes em benefícios tributários prometidos pela equipe econômica — mas ainda não enviados ao Congresso — o buraco fiscal seguiria na casa dos R$ 25 bilhões. “Sem essas ações, o cenário seria ainda mais dramático”, ressaltou. Salto criticou duramente a atuação da Câmara, que, segundo ele, age motivada pelo receio de perder recursos de emendas parlamentares.

Congresso e governo evitam medidas impopulares

Galhardo também critica a falta de engajamento do Legislativo em propor soluções para o corte de gastos. Como exemplo, cita a aprovação, pelo Senado, de um projeto que aumenta de 513 para 531 o número de deputados federais — medida que, se confirmada pela Câmara, deve custar cerca de R$ 95 milhões por ano aos cofres públicos.

“A mensagem é contraditória: o Congresso cobra austeridade do governo, mas evita reduzir suas próprias despesas. Ao mesmo tempo, o Executivo enfrenta dificuldade para avançar com propostas impopulares”, analisa.

Na avaliação de Marcos Praça, diretor da Zero Markets Brasil, há um bloqueio político generalizado que impede o avanço das reformas. “O governo está travado. Com as eleições de 2026 no horizonte, o Congresso tende a aumentar ainda mais a resistência a qualquer iniciativa de ajuste fiscal”, afirmou.

Para alguns, derrubada do IOF indica crítica à alta carga tributária

Harrison Gonçalves, integrante do CFA Society Brazil, interpreta a decisão do Congresso como uma sinalização política. Segundo ele, o Parlamento entende que a arrecadação atual do governo já é elevada e que o caminho para o equilíbrio fiscal deve passar pelo corte de despesas, e não pelo aumento de impostos.

“Essa postura pode ser benéfica no longo prazo, ao reforçar o compromisso com a responsabilidade fiscal e ampliar a confiança de investidores no país”, afirmou.

Entenda o que previa o decreto do IOF

O decreto presidencial, publicado no fim de maio, previa aumento do IOF em diversas operações, principalmente sobre crédito para empresas, câmbio, seguros e investimentos, como títulos financeiros. A expectativa do Ministério da Fazenda era arrecadar até R$ 20 bilhões com a medida, o que ajudaria a reduzir o impacto do bloqueio orçamentário de R$ 31,3 bilhões.

Pressionado politicamente, o governo recuou de parte dos aumentos ainda em junho. A alíquota fixa de 0,95% para empréstimos, que havia subido de 0,38%, foi anulada. No entanto, a alíquota diária foi mantida em 0,0082% — o dobro do valor anterior.

Também houve reversão na cobrança de IOF sobre operações de risco sacado e em seguros do tipo VGBL. Neste último caso, a incidência do imposto passou a valer apenas sobre valores acima de R$ 300 mil, aumentando para R$ 600 mil a partir de 2026.

Outras revogações incluíram o IOF sobre Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e sobre o retorno de investimentos estrangeiros ao país — que permanecem isentos.

Alternativas para compensar as perdas

Para amenizar a frustração de receita gerada pelos recuos no IOF, o governo editou uma Medida Provisória com novos aumentos tributários. A medida prevê alta no imposto sobre juros de capital próprio das empresas, taxação de apostas esportivas, unificação da alíquota de Imposto de Renda para investimentos e tributação de criptoativos.

No entanto, essas propostas enfrentam resistência no Congresso e ainda não têm tramitação garantida, ampliando a incerteza sobre a viabilidade do plano fiscal do Executivo para os próximos anos.


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